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Velhos são os trapos: "jovem" de 79 anos vira sensação online na China

Fonte: Diário do Povo Online    13.11.2015 11h04

 

PEQUIM, 13 de novembro (Diário do Povo Online) - Em qualquer dia da semana, a maioria das pessoas que se exercitam no centro de fitness DTJX no distrito de Changping de Pequim são reformados.

Quando um homem de cabelo grisalho sai da piscina, demonstrando um físico musculado e uma aparência de modelo, é quase impossível para os restantes membros do centro não o admirarem - É ainda mais difícil acreditar que já conta com 79 anos de vida.

Toda a gente no ginásio conhece Wang Deshun, e todos sabem que se tornou numa celebridade online desde o início do ano.

Em março, Wang arrasou na passerelle China Fashion Week em Pequim, roubando, com o seu cabelo grisalho, peito definido e passadas confiantes, o foco das câmaras às jovens modelos.

Wang não é, de todo, o típico avozinho chinês que gosta de se exercitar no parque. O seu físico e presença de palco são fruto de décadas de trabalho no domínio das artes e da performance.

Nascido em 1936 em Shenyang, na província de Liaoning, Wang é pantomimeiro, artista e ator de cinema.

“As expressões faciais e corporais das pessoas são um projeto que senti a necessidade de explorar durante toda a minha vida”, disse.

“Velha carne fresca”

Após o show, a página do Weibo (versão chinesa do Twitter) de Wang rapidamente atraiu 200,000 seguidores. É agora conhecido de forma afetuosa na internet por “vô”, “jovem sénior” e “velha carne fresca”, em referência ao termo “pequena carne fresca” (termo que em chinês, logicamente, soa mais natural do que em Português) usado para descrever homens/rapazes charmosos entre os 12 e os 25 anos de idade.

Contudo, Wang dissera já ser relativamente conhecido na esfera do teatro internacional antes do show torná-lo numa estrela viral.

Em 1979, Wang tornou-se um modelo de vida na Academia de Belas Artes de Shenyang, onde deu início à sua jornada de desenvolvimento físico. Trabalhou como ator de palco, durante os anos 80, quando o teatro chinês começou a seguir com mais atenção a pantomima ocidental, e tornou-se membro da primeira geração de “beipiao” (habitantes que se mudam para Pequim vindos de outras províncias) aos 49 anos de idade.

“O meu corpo é o meu trabalho. Exibir o meu corpo é exibir o meu trabalho”, disse.

A arte pantomímica de Wang foca-se em poses esculturais. O primeiro programa que criou foi “A Cobra e o Camponês”, uma história que conta como um camponês trouxe de volta à vida uma cobra por ter pena do animal e que acaba sendo mordido. Ele interpreta tanto o camponês como a cobra.

“Para encarnar um feto, um prisioneiro, a morte ou uma cobra, é necessário um conjunto de habilidades físicas”, disse. A habilidade de usar o corpo, diz Wang, é a parte mais difícil da sua arte. Não basta ser agraciado com um bom físico e talento para os movimentos. É também preciso um treino árduo.

A idade não o deteve de continuar com o seu exercício diário.

Escultura Viva

Wang irradia paixão ao falar da dimensão de significados que a expressividade facial e corporal detêm.

Para o demonstrar, encarnou o conceito de ausência de esperança, olhando fixamente o ar com a boca aberta em descrença, como se tivesse acabado de receber alguma notícia devastadora. Embora não se movimentasse, os seus músculos faciais estavam contraídos de uma forma a registar de forma vívida uma mudança de um estado de espírito positivo para um desolado. “Uma pequena alteração na tensão dos músculos pode alterar as emoções que expressamos radicalmente”, disse.

“A pantomímica deve ser feliz e ter a capacidade de entreter, mas cheguei à conclusão que todos os meus trabalhos são trágicos”, disse Wang, acrescentando que as suas ideias estão muito relacionadas com as suas experiências de vida.

Um dos períodos mais difíceis da sua vida deu-se durante a Revolução Cultural (1966-1976). Wang e a sua esposa estavam casados há um ano quando a sua companheira terá sido presa sob acusações sem fundamento.

“A dor de sentirmos a falta um do outro quase me levou à demência”, disse. “Uma vez fui à estação de comboio, sabendo que não haveria forma dela aparecer, contudo, ainda alimentava a ténue esperança de poder ver a minha mulher entre os passageiros”.

Ele procurou na estação o dia todo até ter finalmente percebido que teria de se salvar. Durante os dois anos de separação, tentou envolver-se em todos os tipos de hobbies. Conseguiu até montar uma televisão com objetos inutilizados pelas fábricas.

“Se o nosso amor não fosse tão profundo, eu não teria sofrido tanto. Deste modo, amor é sofrimento”, frisou. “Inconscientemente, esta experiência está presente em todos os meus trabalhos”.

Recusa de envelhecer

A fama inesperada chegou quase duas décadas após Wang ter atingido os 60 anos, a idade de aposentação legal da China. Wang espera que esta história sirva de lembrete para os cidadãos mais velhos, assim como para os jovens. De acordo com o relatório publicado pela Repartição Nacional de Estatística em fevereiro, há cerca de 212 milhões de pessoas na China com 60 ou mais anos de idade.

A vida de Wang não está limitada a ajudar a cuidar dos netos, continuando a cuidar do seu físico e da sua carreira.

“Não tenho a certeza de que a restante população da minha idade gostasse de viver da forma como vivo. A maior parte procura uma vida estável e confortável”, asseverou, “...ao longo dos milénios, a cultura chinesa tem-se focado na estabilidade e na doutrina confuciana que ensina as pessoas a não serem nem demasiado submissas nem demasiado agressivas. Eu penso ser um rebelde”.

Atualmente, cada vez mais cidadãos séniores se tornam sensações como Wang nas redes sociais como ícones da moda ou pioneiros de desportos radicais, recebendo aplausos da comunidade online. “Não me conformo com uma vida estável e solitária. Adoro novos desafios”.

Edição: Mauro Marques 

(Editor:Chen Ying,editor)