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“Hoje em dia, já é perfeitamente normal as empresas terem a China no seu radar de mercados”, entrevista com Pedro A. Vieira

Fonte: Diário do Povo Online    03.04.2018 14h52

Por Mauro Marques

Cada vez mais presente no cenário mundial, a China é atualmente um destino atrativo nos planos de internacionalização de empresas um pouco por todo o mundo. Os países da lusofonia não são uma exceção a esta tendência, como comprovam os números crescentes referentes às trocas comerciais entre ambas as partes.

O Diário do Povo Online entrevistou Pedro A. Vieira, especialista em negócios internacionais, docente universitário (Porto Business School e Universidade do Minho) e investigador de doutoramento no âmbito da gestão e comunicação intercultural.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Corria o ano de 2005 quando nasceu a Market Access, uma empresa portuguesa, criada por um grupo de portugueses e um chinês, com a missão de apoiar a internacionalização de empresas. O nosso entrevistado foi um dos sócios fundadores.

“A China era, é estranho dizer isto, porque não vai há muito tempo, mas a China era desconhecida da maioria dos portugueses”, refere, aludindo aos seminários que lecionava então sobre as especificidades do mercado chinês.

“Lembro-me de fazer as primeiras sessões para empresários e ter que começar por desmistificar a imagem que tinham da China, de pessoas de fato de trabalho azul a andar de bicicleta, quando a China, naquela altura, já era extremamente moderna, com cidades cosmopolitas e padrões de consumo impressionantes”, recorda.

O chamariz de um desenvolvimento rompante, ilustrado com dois dígitos de crescimento anual do PIB, levou muitas empresas portuguesas a considerar o mercado chinês como prioritário, impelidas por um entusiasmo que, em alguns casos se revelou impulsivo.

“As empresas, nos primeiros contactos que tinham com o mercado chinês, tinham a falsa sensação de proximidade e de que os negócios se faziam mais ou menos da mesma maneira [em ambos os países]. Algumas foram bem-sucedidas, mas outras esbarraram em muitas barreiras que não são muito visíveis nos negócios com países assim tão distantes”, explica.

Nem tudo o que parece, é

As empresas estão “cada vez mais conscientes dos desafios inerentes à globalização”, salienta o empresário. As distâncias “geográfica, administrativa e cultural”, afiguram-se como algumas das barreiras a ter em conta, adverte.

No que concerne à distância geográfica, as facilidades existentes nos mercados com os quais Portugal está mais familiarizado, e que permitem uma simplificação na comunicação (fuso horário) e nas deslocações “com menos custos e com mais regularidade”, não se verificam com a China.

“Isso é importantíssimo. Sobretudo numa cultura como a chinesa. Estar com as pessoas, criar relações e poder dar apoio na promoção dos produtos e serviços”, enfatiza.

No que diz respeito da distância administrativa, o entrevistado citou, em contraponto com a China, casos como a União Europeia ou o Canadá, onde a circulação de bens e serviços é manifestamente mais simples ao nível de processos burocráticos e aduaneiros.

Por fim, surge a distância cultural, onde estão englobados parâmetros como “a língua, formas de fazer negócio e padrões de consumo”.

No âmbito dos desafios à abordagem do mercado chinês, Pedro A. Vieira enumerou alguns dos erros mais recorrentes: pensar num retorno do investimento a curto prazo; considerar ser possível resolver tudo à distância; assumir semelhanças e não dar importância às diferenças.

“Aparentemente existem muitas [semelhanças]. Aquilo que é mais visível é relativamente parecido e, se for assumido que é semelhante, não haverá preparo suficiente para as diferenças que vão decretar a existência ou ausência de sucesso”, frisou.

Tão longe, tão perto

A distância continental que separa Portugal e, em certa medida, a vasta maioria da lusofonia da China não determina, contudo, que as culturas dos seus povos sejam totalmente distintas.

“A forma como no Brasil, Portugal, China e em outros países da lusofonia se dá importância à conquista da confiança através da criação de um relacionamento, muitas vezes pessoal”, é um fator que, defende, facilita processos que, em outras culturas, levariam certamente mais tempo a superar.

“Nalguns países, como por exemplo a Holanda ou a Alemanha, a confiança é mais dependente daquilo que se entrega e da capacidade de cumprir aquilo que foi prometido, independentemente de haver uma relação pessoal. ‘Negócio é negócio, conhaque é conhaque’. O negócio e o conhaque (ou o baijiu) em Portugal e na China misturam-se. Eu noto que isso funciona bem e aproxima-nos”.

No caso do Brasil, país lusófono com o qual o entrevistado também está profissionalmente familiarizado, são cada vez mais as empresas que procuram concretizar “oportunidades de mercado nos bens de consumo”. Tal fenómeno indicia uma tendência que refuta a composição habitual das exportações brasileiras para a China, baseadas em matérias-primas.

“Água de coco, bebidas com açaí. Produtos com cunho brasileiro e ligados a estilos de vida saudáveis, os chamados superalimentos (...) Os chineses têm cada vez mais em atenção produtos alimentares com benefícios para a saúde”.

No entanto, ao invés de eleger setores, Pedro Vieira destaca a necessidade de “olhar este processo empresa a empresa (…) O que é importante realçar é que qualquer empresa que tenha um produto, equipamento ou serviço com qualidade e diferenciado e que tenha uma equipa de trabalho com as competências necessárias e motivada, vai encontrar oportunidades num mercado tão grande como é a China. Não tenho dúvidas. E tem que ser persistente e ter a capacidade interna de superação das barreiras sobre as quais já falámos”, afiançou.

Para tal, contribui uma realidade hoje bem diferente de 2005: “Nunca houve tanta gente a falar chinês e nunca houve tantos chineses a falar português. Nunca houve tantas pessoas nos países lusófonos a saber tanto sobre a cultura chinesa como hoje e de chineses a conhecer a lusofonia”. 

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