Um estudo realizado por especialistas brasileiros, apresentado na quarta-feira em Brasília, analisou os impactos, riscos e potencial de um possível acordo comercial entre o Mercosul e a China, quais seriam seus efeitos nos investimentos, na oferta de cadeias de valor, comércio e competitividade dos dois mercados.
O documento, denominado Reflexões sobre um Possível Acordo de Livre Comércio Mercosul-China, foi apresentado na sede da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que patrocinou o estudo elaborado pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
Na apresentação, o presidente do CEBC, embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, lembrou os desafios enfrentados pelo Mercosul em seus primeiros anos de existência e as oportunidades que o bloco sul-americano poderia ter com um acordo de livre comércio com o país asiático.
O Mercosul é uma união aduaneira formada por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia, que se tornou membro pleno este ano. A Venezuela é membro suspenso do bloco desde 2016.
Segundo Castro Neves, pontos como a harmonização regulatória, a facilitação de investimentos e a cooperação tecnológica poderiam criar cadeias produtivas regionais mais estratégicas e sustentáveis, com "efeitos positivos para o PIB dos países membros, apesar das assimetrias econômicas entre eles".
O embaixador disse ainda que um acordo desta natureza promoveria uma maior abertura econômica, especialmente no Brasil, "promovendo uma inserção mais competitiva na ordem econômica internacional".
Por sua vez, o presidente da CNA, João Martins, afirmou que o futuro das relações agrícolas entre o Brasil e a China é promissor e destacou a necessidade de continuar a trabalhar para manter as conquistas e fortalecer o relacionamento nos próximos anos.
"A celebração dos 50 anos de relações diplomáticas entre Brasil e China em 2024 é um marco importante, um lembrete do quanto conquistamos juntos e do potencial que ainda temos a explorar", disse.
Martins destacou que a parceria vai além da troca de mercadorias, pois os dois países têm trabalhado juntos em diversas frentes, incluindo investimentos em tecnologia agrícola, sustentabilidade e segurança alimentar.
"A parceria sino-brasileira é uma via de mão dupla, pois ambos os países são beneficiados. Para a China, contribuímos para garantir a segurança alimentar de sua população. Para o Brasil, a China representa um mercado vasto e em constante crescimento que nos permite expandir e diversificar nossas exportações, proporcionando renda e melhores condições aos nossos produtores rurais", frisou.
As conclusões do estudo apresentado esta quarta-feira indicam que um acordo comercial entre ambas as partes poderia aumentar o Produto Interno Bruto (PIB), os salários e o comércio dos países do Mercosul, embora pudesse afetar setores industriais menos competitivos.
O relatório apresenta simulações dos impactos de um possível acordo Mercosul-China para o período 2024-2035. Um acordo comercial teria um efeito positivo no Produto Interno Bruto (PIB) de todos os países em comparação com o cenário de referência.
No Uruguai, o PIB aumentaria 3,49%. No Paraguai, o aumento seria de 2,16%, e na Argentina, de 2,58%. O aumento no Brasil também seria significativo, com 1,43%, enquanto a China registraria um ganho de 0,07%. Este resultado é explicado pelo tamanho da economia chinesa em relação às demais e pelo fato de o Mercosul representar uma proporção relativamente pequena no comércio total chinês, enquanto a China tem um peso elevado no comércio total do Mercosul.
Em termos absolutos, o maior beneficiário do acordo seria o Brasil, com um aumento do PIB de quase US$ 30 bilhões, o dobro dos ganhos da Argentina e várias vezes superior aos ganhos do Paraguai e do Uruguai. O ganho da China também seria significativo, estimado em US$ 13,8 bilhões, mas inferior ao do Brasil e da Argentina.
O estudo foi elaborado por analistas do CEBC e especialistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Os autores tomaram como ponto de partida a experiência do processo de integração entre a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático) e a China, com o objetivo de identificar lições que poderiam ser úteis para o Mercosul. Além disso, estudaram tratados assinados entre o bloco sul-americano e a China, a fim de traçar paralelos que possam orientar os responsáveis em futuras negociações.
O estudo destaca que um possível acordo de livre comércio entre o Mercosul e a China não deveria se limitar a questões comerciais, mas incluir investimentos, tecnologia e criação de cadeias produtivas, especialmente em setores como transição energética e descarbonização.
Sugere também que um acordo com a China poderia promover a competitividade industrial e formar cadeias de valor regionais, como nas energias renováveis e nos produtos industriais sustentáveis. A China demonstrou pragmatismo, observam os autores, ao ajustar os seus acordos de acordo com as necessidades dos seus parceiros.
Atualmente, as exportações do Mercosul para a China são principalmente produtos agrícolas e minerais, enquanto as importações se concentram em produtos manufaturados. Os investimentos chineses no Mercosul, especialmente no Brasil, por outro lado, são consideráveis e crescentes.
Por fim, o estudo destaca a necessidade de uma estratégia de desenvolvimento que fortaleça a cooperação regional e promova cadeias de valor no Mercosul, e a ampliação da integração com o país asiático.